Uma breve reflexão sobre o inglês e o mercado de trabalho

O requisito se faz necessário para algumas oportunidades de trabalho, mas se apresenta como arbitrário em outros cenários

Embora a língua inglesa seja considerada pré-requisito em inúmeros processos seletivos, a habilidade ainda é considerada uma barreira no avanço profissional de muitos brasileiros. E não tem como ser diferente.

Segundo um estudo do British Council e do Instituto de Pesquisa Data Popular, apenas 5,1% da população brasileira com idade acima de 16 anos realmente fala inglês. Deste grupo, ainda, somente 1% é mesmo fluente.

Não é segredo que muitas empresas contam com o conhecimento de idiomas estrangeiros como diferencial nos processos seletivos. Algumas entrevistas de trabalho acontecem em inglês, o que pode ser uma armadilha para o candidato que exagerou no seu currículo ao concorrer a uma vaga que pedia bom nível do idioma. Mas por que isso acontece?

De acordo com o estudo, as principais dificuldades encontradas para o desenvolvimento da habilidade são a falta de tempo (72%) e até mesmo o alto valor dos cursos particulares (65%). Ou seja, não dá para dizer que saber inglês, em qualquer nível, é uma tarefa simples, barata e de fácil acesso.

É claro que existem vagas internas ou externas em que o inglês é primordial, uma ferramenta básica do dia a dia, desde o primeiro contato do funcionário com o trabalho, ainda mais levando em conta a necessidade de uma boa comunicação em inglês neste mundo globalizado. No entanto, o mesmo requisito se apresenta como excludente a partir do momento em que, de fato, não há a necessidade de ser colocado em prática imediatamente.

Mediante um cenário tão desigual como o brasileiro, levantamos a seguinte questão: até que ponto os processos seletivos para estagiários ou trainees, por exemplo, excluem ainda mais os candidatos que são socialmente menos favorecidos? Se o processo seletivo tem como base a diversidade e a inclusão, torna-se incoerente a exigência de uma habilidade que não seja primordial para o bom desempenho imediato da vaga.

Com isso em mente, algumas empresas já deram um passo à frente e excluíram a exigência do idioma estrangeiro no currículo de candidatos a programas de estágio e trainee. Em julho deste ano, a Ambev, por exemplo, aderiu a este modelo mais inclusivo para os processos seletivos de programas de estágio e trainee. E não para por aí: a companhia ainda decidiu custear cursos de inglês para quem ocupasse tais vagas.

“Assumimos o compromisso de encontrar meios de acelerar essa mudança tão necessária, e um dos caminhos foi a criação, e agora a expansão, do Representa. Queremos não só ampliar a diversidade dos nossos estagiários, mas também desenvolvê-los para que se tornem nossos trainees e futuros líderes da companhia” por Renato Biava, diretor de Gente e Gestão da Cervejaria Ambev, em nota oficial à imprensa.

Assim, a empresa foi uma das primeiras a caminhar a favor de um processo seletivo realmente mais inclusivo e justo, dando oportunidade a candidatos de diferentes classes sociais e se desprendendo da já conhecida corrida do privilégio, muitas vezes estampada em muitos processos seletivos. Neste caso, é um exemplo positivo e que vale ser copiado.

Além de não ter a língua inglesa (ou qualquer outro idioma estrangeiro) como requisito básico de seleção, para que se conquiste um processo seletivo mais inclusivo, é recomendado que se trilhe o caminho que a Ambev já tem seguido. Dessa forma, a capacitação dos colaboradores possibilitará maiores e melhores oportunidades ao longo da jornada profissional, e permitirá também que fique para trás o cenário desigual do qual partiram. Isso servirá de exemplo a outros profissionais que sonham em alcançar os mesmos objetivos.

Porém, é importante ressaltar que apenas custear um subsídio de aprendizagem não é o suficiente. É preciso que o processo da aprendizagem se torne um compromisso corporativo e que tenha a devida prioridade na agenda das organizações.

O desenho de um programa de desenvolvimento estratégico deve alinhar efetivamente os objetivos do negócio e as metas de desempenho dos colaboradores com o modelo de aprendizagem.

A partir desse alinhamento, se garantirá o envolvimento e apoio efetivo da liderança na condução do modelo adotado. Esse suporte estimula, de maneira sustentada, o comprometimento pessoal do colaborador em seu desenvolvimento contínuo e, como resultado desse engajamento, a liderança dará ainda mais valor a um programa de impacto positivo no alcance de seus objetivos específicos e na preparação da empresa para adoção, em pensamento e ação, de um mindset globalizado.

Assim, a comunicação em inglês adequada e fluida também se torna um facilitador e potente acelerador de objetivos organizacionais como: expansão global, integração global, pipeline de talento global e compartilhamento global de conhecimento.

Dessa forma, os colaboradores podem se desenvolver em todos os níveis da organização por meio de trilhas de aprendizagem customizadas para atendimento de necessidades e objetivos mapeados com profundidade e, ao surgirem novas oportunidades, os recursos mais valiosos já estarão ali, prontos, no time de dentro da casa.

E são decisões assim que diferenciam as empresas que oferecem um simples emprego daquelas que constroem oportunidades significativas de carreira aos seus colaboradores.

Angela Coy

Diretora e fundadora da Insigna l Conectamos ciência e inovação para o desenvolvimento de equipes de alta performancea